
Ementa:
No dia 08 de janeiro de 2023 centenas de militantes de extrema direita invadiram os três poderes da República brasileira. Nos vídeos que os próprios gravaram é possível escutar seus "gritos de guerra"; entre muitos "isso aqui é nosso" seguiram-se diversos "o congresso é do Senhor Jesus" ou "o senador é a igreja". Ocuparam os poderes enquanto davam glórias ao seu Deus, nas suas palavras, eles se colocavam como agentes do Senhor que não aceitava a vitória do mal, do Lula, à presidência. Há algumas décadas terras improdutivas eram ocupadas ao mesmo estilo; entre rezas e ocupações a Comissão Pastoral da Terra (CPT) criou o espaço político para a fundação do movimento social mais relevante do mundo, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). A ocupação da terra era validada pelos profetas bíblicos, pelas homilias e reflexões pastorais. Agora, a ocupação do congresso é validada pelas reflexões de WhatsApp, pelas pregações acaloradas e por grandes líderes do evangelicalismo; trata-se de uma grande guerra contra o mal. Religião e política na América Latina sempre andaram juntas, seja quando a esquerda tinha força política, seja no recente renascimento da política pela extrema direita; em ambos os casos, dentro dessas teologias políticas é possível aferir uma experiência vivida dos tempos, e no caso da nossa atual, dos tempos do fim.
Esse curso pretende destrinchar as relações entre formações político-teológicas e processos sociais que circunscrevem a vida nacional. Traçando um percurso que vai da efervescência da Teologia da Libertação à ascensão do pentecostalismo no contexto brasileiro. Analisaremos como o contexto sociopolítico latino-americano, marcado por processos complexos de modernização, profundas desigualdades sociais e ciclos de violência, influenciou a interpretação da fé cristã e a busca por sentido e pertencimento em diferentes comunidades religiosas. A Teologia da Libertação, surgida como uma resposta à sua própria realidade será nosso ponto de partida para compreender as mudanças no campo religioso e suas implicações sociais e políticas. Investigaremos como a ênfase na práxis, na experiência e na luta, características da Teologia da Libertação, se relacionam com as transformações no catolicismo e com a emergência de novas expressões religiosas.
Para além da análise teológica, o curso também se dedicará a compreender como as ideias e os discursos religiosos se materializam em práticas sociais, expressões culturais e mobilizações políticas. A música gospel, com sua crescente influência no cenário musical brasileiro, será um foco importante de análise, assim como a leitura popular da Bíblia e sua relação com a vida cotidiana das comunidades de fé. Examinaremos como essas expressões culturais contribuem para a construção de identidades, para a vivência da fé e para a articulação de novas narrativas sobre a nação e seu futuro. Buscaremos entender como a música, a linguagem e os símbolos religiosos se conectam com as experiências e as aspirações de diferentes grupos sociais, especialmente aqueles marginalizados pelos processos de modernização e exclusão.
Por fim, discutiremos como o "Brasil Avivado", enquanto imagem de Brasil redimido por Jesus, com sua ênfase na batalha espiritual, na prosperidade e na transformação individual e coletiva, se relaciona com o contexto político e social contemporâneo. Analisaremos o papel das igrejas evangélicas na esfera pública, o crescimento da bancada evangélica e a influência da religião nas eleições e nas políticas públicas. Debateremos como a fé evangélica se articula com diferentes visões de mundo, com projetos de nação e com as disputas ideológicas que marcam o Brasil atual. O curso buscará fornecer ferramentas para uma compreensão crítica e aprofundada das transformações religiosas em curso e de suas implicações para o futuro do antigo país do futuro.
Aulas:
1. Teologia da Libertação e desenvolvimentismo (24/03)
-
Teologia da Libertação e Modernização
-
O Sujeito na Teologia da Libertação
-
Revelação, Fé e Práxis
-
Desenvolvimento Desigual e Teologia
2. Do catolicismo popular ao evangelicalismo (25/03)
-
A Bíblia como texto vivo nas comunidades de fé.
-
A dinâmica entre a leitura bíblica e a experiência vivida.
-
Diversidade de interpretações e a construção de sentidos na leitura da Bíblia.
-
Teologia e o desafio de interpretar as esperanças e lutas do povo.
3. Raízes do Brasil avivado (26/03)
-
Transformações culturais e religiosas no Brasil contemporâneo.
-
O impacto dos eventos históricos na formação da identidade nacional.
-
A ascensão do evangelicalismo e suas implicações para a sociedade brasileira.
-
Fé, política e a construção de projetos de nação.
4. O apocalipse na acepção Brasileira do termo (27/03)
-
Expressões da fé evangélica no espaço público.
-
Música gospel e a construção de um imaginário de batalha espiritual.
-
A relação entre música, fé e identidade evangélica.
-
Música e a experiência comunitária no contexto evangélico.
Bibliografia Base:
ARANTES, Paulo. O novo tempo do mundo. São Paulo: Boitempo, 2014.
CASTRO, André. A luta que há nos deuses: da Teologia da Libertação à extrema direita evangélica. Rio de Janeiro: Editora Machado, 2024
CASTRO, André. Um teólogo na periferia do capitalismo: Fé como práxis em Hugo Assmann. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). 166p. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2024.
CANETTIERI, Thiago. A condição periférica. Belo Horizonte: Consequência, 2020.
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à Razão dualista/O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003.
TAMEZ, Elsa. Bajo un cielo sin estrellas: lecturas y meditaciones bíblicas. San José: DEI, 2001.
SEGUNDO, Juan Luis. O Dogma que liberta. São Paulo: Edições Paulinas, 1987.
SEGUNDO, Juan Luis. Libertação da Teologia. São Paulo: Edições loyola, 1978.
PASSOS, J. D. Teogonias urbanas: o re-nascimento dos velhos deuses - uma abordagem sobre a representação religiosa pentecostal. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 347p. 2001.
LOWY, Michael. O que é Cristianismo da Libertação: religião e política na América
Latina. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo/Expressão Popular, 2016.
Professor:
André Castro casceu em Pernambuco, mas cresceu na Bahia. Graduado em Teologia (FLAM), mestre em Ciências da Religião (UMESP). Editor e colunista na Revista Zelota. É autor de "A luta que há nos deuses" (Machado, 2024) e "Breve história da teologia da libertação protestante" (Recriar, 2022). Pesquisa os nexos entre imaginação religiosa e processo social na América Latina entre a Teologia da Libertação e o Brasil avivado.